Elas não devem saber, mas quem inventou o termo, em homenagem à geração de garotas feministas e progressistas com muito discurso captado das passeatas e poucas ideias na cabeça, foi Nelson Rodrigues. (Elas não devem saber, mas ele era jornalista além de dramaturgo, escritor e cronista esportivo).
Nelson era um nostálgico dos tempos da velha imprensa, dos textos estilizados, subjetivos, pouco afeitos à objetividade e imparcialidade instituídos pelo copydesk, que despiu de adereços literários a narrativa noticiosa, instituiu-lhe uma ordem-padrão (conhecida no meio jornalístico como pirâmide invertida) e transformou a objetividade, a imparcialidade e o apartidarismo em características essenciais ao repórter, como se este fosse um mero gravador de notícias e não uma pessoa. A esta geração pós-copydesk, Nelson deu a alcunha de “Os idiotas da objetividade”. Poderia tê-los chamado de “Os hipócritas da objetividade”. Ele sabia que objetividade não era o forte de seus pares.
Sem precisar escrever bem e pensar, os idiotas da objetividade tornaram-se em pouco tempo maioria nas redações. E abriram espaço para um novo tipo de idiota, este do sexo feminino: as estagiárias de calcanhar sujo: garotas de classe-média, influenciadas pelos movimentos feministas e pelas ideias de esquerda, com muito discurso de passeata estudantil para bradar e poucas ideias na cabeça. Nelson não se conformava com as tolices e a petulância dessas garotas sempre em busca do senso-comum da esquerda da época. Teria sofrido ainda mais se soubesse que, um dia, elas seriam maioria nas redações e transformariam a tolice, a busca pelo senso-comum e os calcanhares sujos em regras básicas do jornalismo do século XXI.
Se antes os clichês proferidos por elas eram catados nas passeatas, hoje o são em seriados como Sex and the city. A ausência de ideias e a pouca capacidade de raciocínio é a mesma da década de 70. Se antes subservientes à esquerda e ao movimento feminista, hoje o são ao que dizem os assessores de imprensa. Têm pouco apreço à apuração de notícias. Esforçam-se para escrever de maneira telegráfica, têm dificuldades – sérias dificuldades – em não abreviar palavras como “você”, “tudo” e “também”.
O maior espanto delas é quando aparecem rapazes de bom nível cultural, com um discurso oriundo de ideias estabelecidas e em constante mutação, apreço pela língua-pátria (e não apenas pelo inglês, embora o fale com fluência) e uma visão horizontal a respeito dos fatos e do próprio Jornalismo que aparecem, vez ou outra, numa redação em busca de um emprego. Elas o olham com espanto. “O que este ser está fazendo aqui?”, pensam enquanto digitam textos telegráficos tirados de declarações no Twitter. “O que ele pensa que é isso aqui?” “Ele nunca pisou numa redação?”
O rapaz se apresenta à ex-estagiária de calcanhar sujo, agora jornalista de calcanhar sujo. Ele veste uma camisa de manga comprida com as mangas arregaçadas; ela veste-se como uma modelo da Festa do Peão de Barretos. Apresenta-lhe seu portfólio com artigos, reportagens, crônicas e textos noticiosos; fala dos cursos que fez fora da faculdade (Literatura, cinema e economia); discorre sobre o que acredita ser um bom jornalismo, afirma e reafirma o seu desejo em trabalhar. Ela não entende o que ele faz ali, por que ele quer ser jornalista, por que ele estudou economia, literatura e cinema, por que foi de camisa para a entrevista. É politicamente correta demais para chamá-lo de “Múmia”, como Nelson Rodrigues costumava chamar-se. Diz apenas que ele tem “Jeito de jornalista antigo” e coloca na redação mais uma estagiária de calcanhar sujo, uma garota de discurso desprovido de ideias e entremeado por gírias, texto telegráfico com abreviações de conversas de MSN, subserviência aos assessores de imprensa e chapinha no cabelo.
O rapaz vai embora dali como se não tivesse direito de fazer parte daquele universo. Sobram-lhe ideias. Faltam-lhe calcanhares sujos.
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Dan, é por essas e outras que te amo.
ResponderExcluirTô com saudade, cadê você?