segunda-feira, 29 de março de 2010

O encontro de dois homens


Tinha um compromisso marcado para às 13 horas na avenida Paulista. Como ainda eram 12h30, resolvi passar na Livraria Cultura do Conjunto Nacional e folhear uns livros. Pois bem: olho o biombo principal, desço a rampa e me deparo com quem? José Ribamar Ferreira de Araújo da Costa, o homem comum que veste desde o dia 2 de fevereiro de 1959 o homem incomum: José Sarney. Difícil dizer qual dos dois Josés estava na livraria. "É o Sarney", decidi. O Sarney: vestido num paletó e calça azul-marinho, uma camisa escura e xadrez e um sapato preto de aspecto amassado e abatido. “Não vou perder essa”, pensei. E fui até ele.


Sarney estava de costas para mim. Atrás dele, um homem mulato, de cabelos curtos e encaracolados, vestido num paletó creme, carregando uma série de pastas, papeis e uma caneta. Coloquei a mão no ombro de Sarney e, com uma efusividade repleta de ironia, disse:


– Ô senador! – ele virou-se para mim. Apertei a mão dele e comecei a balançá-la. Assim ficamos durante toda a conversa. Olhei bem nos seus olhos - ao que ele correspondeu - e reparei no seu aspecto: ele tem a pele grossa, de aspecto oleoso, o nariz e as bochechas vermelhas. As mãos, o pescoço e a careca são de cor morena, morena clara. O cabelo tem a raiz branca e aumenta de tonalidade conforme se distancia dela: do branco vai pro cinza claro, do cinza claro para o cinza escuro, deste para o preto. Com o bigode acontece a mesma coisa.


– Olá. – disse ele, um homem trêmulo, contido e tenso, desprovido de qualquer populismo ou encenação, incapaz de ser simpático. Parece alguém à espera de uma ofensa ou verdade inconveniente. Parece alguém cansado, baqueado pela tensão causada por essa espera.


– Sempre te mando e-mail. O senhor nunca responde – disse eu, sem revelar o real conteúdo dos e-mails, óbvio para qualquer homem comum.

Ele me perguntou em qual e-mail eu o enviava, eu disse que no do UOL, quase toda sexta, após ler sua coluna na Folha. Com a mão balançada pela minha, ele perguntou meu nome. Respondi:

– Danilo.

O assessor fingiu-se interessar em manter uma proximidade entre o Homem Incomum (ali tentando portar-se, desejando mais do que nunca ser um mortal como os outros, mas sem problemas financeiros) e um jovem eleitor brasileiro - que vota em São Paulo. O assessor repetiu meu nome, como se fosse ficar atento aos meus e-mails. Voltei-me a Sarney:

– Fiquei sabendo que o senhor vai operar hoje.

– Sim.

– Espero que ocorra tudo bem.

– Obrigado.

Soltei a mão de Sarney.

– Assim o senhor pode voltar com todo gás pro Senado!
– É… – disse ele, mais trêmulo, constrangido e incomodado que nunca, pronto a dar-me as costas.

– Vamos botar ordem naquela casa! – disse eu, bem alto.

Sarney acenou e virou-se de costas para mim, acompanhado por seu assessor, que também despediu-se. Mas eu decidi segui-lo. Ver o que o Homem Incomum iria fazer ao tentar-se passar por homem comum.

Sarney e seu assessor foram até à revistaria. Ficaram um bom tempo ali. O assessor guardava o seu lugar no caixa. Sem ser reconhecido, ou completamente ignorado por todos, Sarney ia, pegava uma revista, colocava-a sobre o caixa, voltava, pegava outra, colocava sobre o caixa. O assessor pagou pelas revistas - com o nosso dinheiro, provavelmente. Contou moedinhas - não sei se por necessidade ou dissimulação.

Ao ver que os dois estavam saindo da revistaria, fingi que via uns livros na estante mais próxima e disse:

– Não deixa de ver meus e-mails, hein!

Sarney acenou a contragosto e foi embora junto de seu assessor.

Durante toda essa jornada, que durou cerca de 20 minutos, fui acompanhado por um pensamento, “Que homem desagradável". E eu sei por quê. Não deve ser fácil para José Ribamar Ferreira de Araújo da Costa suportar o peso de José Sarney.

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