quarta-feira, 12 de maio de 2010

Tudo bem. Em 140 caracteres


Perdi alguns minutos hoje comparando o português e a capacidade de síntese de Serra e Dilma no Twitter. É gritante a diferença entre ambos. Raro o tweet de Dilma que não tenha abreviações - algumas indevidas, como “vc” (coisa de adolescente que não lê nada que não seja conversa de MSN) -, vírgulas sem propósito - se ela errasse menos nas vírgulas, não precisaria criar abreviações - e uma completa falta de propriedade sobre qualquer assunto tratado, inclusive sua própria campanha eleitoral.

Outro dia, ela disse que ganhara o livro "As brasas", do húngaro Sandór Márai. Não comentou nada a respeito. Ou não leu ou começou a ler e foi fazer esteira ou desistiu logo de cara. É um livro denso, impróprio para um neurônio solitário como o dela.

Serra, por sua vez, demonstra traquejo no uso da mídia social. É bem humorado, comunicativo, diversifica os assuntos, fala com propriedade - ainda que o meio (Twitter) seja superficial - sobre cinema, música e literatura e abre brechas para que vejamos a pessoa por trás do arquétipo político.

Mas na rádio ele não tem – ou não teve – desempenho melhor que a candidata de Lula. Enquanto esta perde-se em números que seu neurônio solitário não consegue decorar, Serra, ao ser questionado pela jornalista Miriam Leitão, na CBN, a respeito da autonomia no Banco Central (se ela seria mantida ou não, já que ele tem fama de centralizador), reagiu com uma ira típica da Dilma em tempos anteriores à pré-candidatura.

A jornalista fez uma questão que interessa a todos que sabem da existência do Banco Central - cerca de 0,2333% da população brasileira. Não cabe a ele julgar se essa é uma boa pergunta ou não. Cabe a ele, como candidato ao mais alto posto do país, respondê-la - e com delicadeza.

Tampouco cabe a um pretende do maior cargo do Executivo dizer que não raciocina bem de manhã, que sofre de mau humor nesse período do dia. Presidente da República não tem horário de expediente. Os problemas não têm horário para começar ou acabar.

Portando-se daquela maneira com a jornalista, Serra, além da dúvida a respeito de qual será sua postura frente ao BC, deixou a seguinte questão: é falso ou destemperado?

sábado, 1 de maio de 2010

Malditas estagiárias de calcanhar sujo

Elas não devem saber, mas quem inventou o termo, em homenagem à geração de garotas feministas e progressistas com muito discurso captado das passeatas e poucas ideias na cabeça, foi Nelson Rodrigues. (Elas não devem saber, mas ele era jornalista além de dramaturgo, escritor e cronista esportivo).

Nelson era um nostálgico dos tempos da velha imprensa, dos textos estilizados, subjetivos, pouco afeitos à objetividade e imparcialidade instituídos pelo copydesk, que despiu de adereços literários a narrativa noticiosa, instituiu-lhe uma ordem-padrão (conhecida no meio jornalístico como pirâmide invertida) e transformou a objetividade, a imparcialidade e o apartidarismo em características essenciais ao repórter, como se este fosse um mero gravador de notícias e não uma pessoa. A esta geração pós-copydesk, Nelson deu a alcunha de “Os idiotas da objetividade”. Poderia tê-los chamado de “Os hipócritas da objetividade”. Ele sabia que objetividade não era o forte de seus pares.

Sem precisar escrever bem e pensar, os idiotas da objetividade tornaram-se em pouco tempo maioria nas redações. E abriram espaço para um novo tipo de idiota, este do sexo feminino: as estagiárias de calcanhar sujo: garotas de classe-média, influenciadas pelos movimentos feministas e pelas ideias de esquerda, com muito discurso de passeata estudantil para bradar e poucas ideias na cabeça. Nelson não se conformava com as tolices e a petulância dessas garotas sempre em busca do senso-comum da esquerda da época. Teria sofrido ainda mais se soubesse que, um dia, elas seriam maioria nas redações e transformariam a tolice, a busca pelo senso-comum e os calcanhares sujos em regras básicas do jornalismo do século XXI.

Se antes os clichês proferidos por elas eram catados nas passeatas, hoje o são em seriados como Sex and the city. A ausência de ideias e a pouca capacidade de raciocínio é a mesma da década de 70. Se antes subservientes à esquerda e ao movimento feminista, hoje o são ao que dizem os assessores de imprensa. Têm pouco apreço à apuração de notícias. Esforçam-se para escrever de maneira telegráfica, têm dificuldades – sérias dificuldades – em não abreviar palavras como “você”, “tudo” e “também”.

O maior espanto delas é quando aparecem rapazes de bom nível cultural, com um discurso oriundo de ideias estabelecidas e em constante mutação, apreço pela língua-pátria (e não apenas pelo inglês, embora o fale com fluência) e uma visão horizontal a respeito dos fatos e do próprio Jornalismo que aparecem, vez ou outra, numa redação em busca de um emprego. Elas o olham com espanto. “O que este ser está fazendo aqui?”, pensam enquanto digitam textos telegráficos tirados de declarações no Twitter. “O que ele pensa que é isso aqui?” “Ele nunca pisou numa redação?”

O rapaz se apresenta à ex-estagiária de calcanhar sujo, agora jornalista de calcanhar sujo. Ele veste uma camisa de manga comprida com as mangas arregaçadas; ela veste-se como uma modelo da Festa do Peão de Barretos. Apresenta-lhe seu portfólio com artigos, reportagens, crônicas e textos noticiosos; fala dos cursos que fez fora da faculdade (Literatura, cinema e economia); discorre sobre o que acredita ser um bom jornalismo, afirma e reafirma o seu desejo em trabalhar. Ela não entende o que ele faz ali, por que ele quer ser jornalista, por que ele estudou economia, literatura e cinema, por que foi de camisa para a entrevista. É politicamente correta demais para chamá-lo de “Múmia”, como Nelson Rodrigues costumava chamar-se. Diz apenas que ele tem “Jeito de jornalista antigo” e coloca na redação mais uma estagiária de calcanhar sujo, uma garota de discurso desprovido de ideias e entremeado por gírias, texto telegráfico com abreviações de conversas de MSN, subserviência aos assessores de imprensa e chapinha no cabelo.

O rapaz vai embora dali como se não tivesse direito de fazer parte daquele universo. Sobram-lhe ideias. Faltam-lhe calcanhares sujos.

segunda-feira, 29 de março de 2010

O encontro de dois homens


Tinha um compromisso marcado para às 13 horas na avenida Paulista. Como ainda eram 12h30, resolvi passar na Livraria Cultura do Conjunto Nacional e folhear uns livros. Pois bem: olho o biombo principal, desço a rampa e me deparo com quem? José Ribamar Ferreira de Araújo da Costa, o homem comum que veste desde o dia 2 de fevereiro de 1959 o homem incomum: José Sarney. Difícil dizer qual dos dois Josés estava na livraria. "É o Sarney", decidi. O Sarney: vestido num paletó e calça azul-marinho, uma camisa escura e xadrez e um sapato preto de aspecto amassado e abatido. “Não vou perder essa”, pensei. E fui até ele.


Sarney estava de costas para mim. Atrás dele, um homem mulato, de cabelos curtos e encaracolados, vestido num paletó creme, carregando uma série de pastas, papeis e uma caneta. Coloquei a mão no ombro de Sarney e, com uma efusividade repleta de ironia, disse:


– Ô senador! – ele virou-se para mim. Apertei a mão dele e comecei a balançá-la. Assim ficamos durante toda a conversa. Olhei bem nos seus olhos - ao que ele correspondeu - e reparei no seu aspecto: ele tem a pele grossa, de aspecto oleoso, o nariz e as bochechas vermelhas. As mãos, o pescoço e a careca são de cor morena, morena clara. O cabelo tem a raiz branca e aumenta de tonalidade conforme se distancia dela: do branco vai pro cinza claro, do cinza claro para o cinza escuro, deste para o preto. Com o bigode acontece a mesma coisa.


– Olá. – disse ele, um homem trêmulo, contido e tenso, desprovido de qualquer populismo ou encenação, incapaz de ser simpático. Parece alguém à espera de uma ofensa ou verdade inconveniente. Parece alguém cansado, baqueado pela tensão causada por essa espera.


– Sempre te mando e-mail. O senhor nunca responde – disse eu, sem revelar o real conteúdo dos e-mails, óbvio para qualquer homem comum.

Ele me perguntou em qual e-mail eu o enviava, eu disse que no do UOL, quase toda sexta, após ler sua coluna na Folha. Com a mão balançada pela minha, ele perguntou meu nome. Respondi:

– Danilo.

O assessor fingiu-se interessar em manter uma proximidade entre o Homem Incomum (ali tentando portar-se, desejando mais do que nunca ser um mortal como os outros, mas sem problemas financeiros) e um jovem eleitor brasileiro - que vota em São Paulo. O assessor repetiu meu nome, como se fosse ficar atento aos meus e-mails. Voltei-me a Sarney:

– Fiquei sabendo que o senhor vai operar hoje.

– Sim.

– Espero que ocorra tudo bem.

– Obrigado.

Soltei a mão de Sarney.

– Assim o senhor pode voltar com todo gás pro Senado!
– É… – disse ele, mais trêmulo, constrangido e incomodado que nunca, pronto a dar-me as costas.

– Vamos botar ordem naquela casa! – disse eu, bem alto.

Sarney acenou e virou-se de costas para mim, acompanhado por seu assessor, que também despediu-se. Mas eu decidi segui-lo. Ver o que o Homem Incomum iria fazer ao tentar-se passar por homem comum.

Sarney e seu assessor foram até à revistaria. Ficaram um bom tempo ali. O assessor guardava o seu lugar no caixa. Sem ser reconhecido, ou completamente ignorado por todos, Sarney ia, pegava uma revista, colocava-a sobre o caixa, voltava, pegava outra, colocava sobre o caixa. O assessor pagou pelas revistas - com o nosso dinheiro, provavelmente. Contou moedinhas - não sei se por necessidade ou dissimulação.

Ao ver que os dois estavam saindo da revistaria, fingi que via uns livros na estante mais próxima e disse:

– Não deixa de ver meus e-mails, hein!

Sarney acenou a contragosto e foi embora junto de seu assessor.

Durante toda essa jornada, que durou cerca de 20 minutos, fui acompanhado por um pensamento, “Que homem desagradável". E eu sei por quê. Não deve ser fácil para José Ribamar Ferreira de Araújo da Costa suportar o peso de José Sarney.

sexta-feira, 12 de março de 2010

A façanha dos Sarney




Mesmo apoiada por Lula, candidato à reeleição em 2006 com ampla vantagem que se consumou, e detendo o monopólio da comunicação do estado do Maranhão, a então senadora Roseana Sarney perdeu, no segundo turno, as eleições para o governo do estado em que sua família, além de dona de terras, é dona do mar e tem seu nome carimbado em avenidas, travessas, ruas, vilas e prédios públicos do Maranhão. O vencedor do pleito fora Jackson Lago (PDT), disposto a enterrar a oligarquia Sarney, assim como este pretendia fazer – e fez – com Victorino Freire, antigo oligarca maranhense, de quem Sarney fora aliado na juventude (embora, hoje, renegue isso com a mesma veemência com que renega sua desonestidade).



Três vezes prefeito de São Luis, capital do Maranhão, Jackson Lago vencera Roseana Sarney no segundo turno das eleições estaduais de 2006 com 52% dos votos válidos. (Pesquisa Ibope encomendada pela TV Mirante, filial da TV Globo pertencente à família Sarney no Maranhão, apontava a vitória para Roseana no 2º turno das eleições). A população comemorou a derrota de Roseana (mais que a vitória de Lago).



A tensão entre o novo e o antigo governo no estado já era prevista desde a eleição de Jackson Lago, que detinha minoria na Assembleia Legislativa. Logo, a coligação derrotada entrou com um pedido de cassação do mandato do governador eleito, alegando obstrução da Legislação Eleitoral por meio do uso da máquina pública na campanha eleitoral, doações de cestas básicas e kits salva-vidas para compra de votos na região de São Marcos, em São José de Ribamar; transferência de recursos públicos para uma associação de moradores do Grajaú; distribuição de combustível e material de construção para os eleitores; 17 mil reais para compras de votos e favorecimento do candidato Lago pelo então governador José Reinaldo Tavares, do PMDB, ex-aliado do clã Sarney. Em sua defesa, Lago afirmou que não havia nos autos provas concretas, mas alegações. A sua defesa, na época da cassação, disse que "a força eleitoral de Jackson Lago se manifestou onde não houve convênio nenhum". (Em São Luis, o maior colégio eleitoral do Maranhão, Lago recebera 66% dos votos. Não consta nenhuma denúncia envolvendo compra de votos na capital do Maranhão).



Cassado pelo STF em 16 abril de 2009, Jackson Lago deixou para Roseana Sarney o Palácio dos Leões (Sede do Governo do Estado do Maranhão) e suspeitas de gastos superfaturados com aviões, além da dúvida acerca do uso da máquina pública e de compras de votos para elerger-se, mesmo que ele tenha sido condenado. É estranho duvidar de quem é condenado; pior ainda é duvidar de quem julga. Mas a situação pede, pois, além da declaração de Lago e seu advogado, citadas acima, a defesa do acusado tivera direito a apenas seis testemunhas no processo. E a família Sarney mantém relações estreitas com alguns membros do STF.



Em 19 de março de 2009, o novamente presidente do Senado José Sarney foi ao Amapá por ocasião da festa do padroeiro do estado, São José. Lá, segundo o livro “Honoráveis Bandidos”, do jornalista Palmério Dória, encontrou-se com o presidente do STF, Gilmar Mendes. Um mês depois, Lago e seu vice Luis Carlos Porto estavam cassados. (Fato inédito. À renúncia de Collor, assumira o cargo seu vice, Itamar Franco e, na crise do “mensalão do DF”, à prisão de Arruda, assumiu, por pouco tempo, seu vice, Paulo Octavio). O relator do processo fora o ministro do STF Eros Grau, a quem Sarney prometera uma cadeira de imortal na ABL assim que um dos imortais vivos morrer.



Pai e filha cometeram uma façanha política maior que o fato de Sarney ostentar título de imortal na ABL. Valeram-se da Lei Eleitoral, que proíbe, dentre outras coisas, a compra de votos (por meio de cestas básicas, brinquedos, dinheiro em espécie e afins) e o uso da máquina pública para favorecer candidato, para voltar ao poder de 40 anos no estado do Maranhão. Poder que rendeu à família o monopólio da comunicação no estado – além da TV Mirante, são donos do jornal Estado do Maranhão, da Rádio Mirante AM e FM; no interior do estado, são donos de outras 35 emissoras de rádio e 13 retransmissoras da TV Mirante – e que iniciou-se com a necessidade do governo militar – em 1965 – em investir em infraestrutura energética na região amazônica nordestina com a construção da usina de Boa Esperança, no rio Parnaíba, que corta os estados do Tocatins e do Maranhão, e ter alguma força regional que os ajudasse a controlar o projeto. A Boa Esperança é apenas o início do domínio da família sobre o setor elétrico brasileiro. A ela, seguiram a superfaturada construção da hidrelétrica de Tucuruí, o comando da Eletronorte, o contrato com a empresa americana de alumínio Alumar (que, para produzir o alumínio necessita de muita energia; seus contratos foram feitos com a família Sarney) e contratos de energia com a construtora Camargo Côrrea. O domínio no setor é consolidado com Sarney na presidência da República e mantido até hoje. Silas Rondeau e Edison Lobão – respectivamente, o último e o atual ministro das Minas e Energia – foram indicados por Sarney, que, junto de Lobão, detém o comando sobre a Eletrobrás, que hoje, assim como a Petrobrás, opera sem necessitar de licitação (muito conveniente para os dois).



Além da energia e das comunicações, a família Sarney é dona da Ilha de Capuru (e não apenas de sua porção de terra, como das 15 praias que a envolvem, segundo o livro “Honoráveis Bandidos”), de uma casa de R$ 4 milhões em Brasília, tomou a si o Convento das Mercês (de 1645, erguido pelo Padre Antonio Vieira, localizado em São Luís) e o transformou Acervo Memorial José Sarney (até fechar, por conta dos escândalos envolvendo a família em 2009), apoderou-se do Senado por meio da indicação de Agaciel Maia para diretoria-geral e da Justiça – não apenas no caso da cassação de Jackson Lago, mas também no da censura prévia ao jornal O Estado de São Paulo – determinada pelo desembargador Dácio Vieira, do TJ-DF, que chegou ao cargo por meio de Sarney.



Há mais de sete meses o jornal está proibido de publicar matérias sobre a Operação Boi Barrica, da PF, que investiga as empresas de Fernando Sarney. Em 2009, o Estadão, além da Boi Barrica, revelou casos de nepotismo (atos secretos foram utilizados para nomear duas sobrinhas, um neto e afilhados políticos), patrimonialismo (a empresa de José Adriano Cordeiro Sarney, neto do senador, operava um esquema de crédito consignado desde 2007) e clientelismo (como as trocas de favores entre Sarney e Agaciel, reveladas por meio de grampos da PF) envolvendo o senador José Sarney. As denúncias foram devidamente arquivadas pelo Conselho de Ética do Senado, em 18 de agosto de 2009. A oposição recorreu ao STF que, em 31 de agosto de 2009, optou pelo arquivamento das mesmas.



Em 10 de dezembro, por 6 votos a 3, o jornal O Estado de São Paulo é mantido sob censura. Gilmar Mendes e Eros Grau fazem parte dos 6 ministros que optaram por desobedecer o Art. 5º/ parágrafo IX da Constituição de 1988 (“IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;), carta que eles deveriam guardar.




Fontes:
DÓRIA, Palmério. “Honoráveis Bandidos”. Geração Editorial. 1ª edição. 2009;
Jornais: Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, O Globo. (Versão imprensa e online);
Site jornal O Imparcial (do Maranhão). (www.oimparcial.com.br);
Site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): (www.tse.gov.br/internet/eleicoes/2006);
Código Eleitoral Brasileiro.